segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A pilha de cada um (ou Cada um carrega a sua pilha)

Acordei antes de 7h33, a hora que estava marcada para o celular despertar. Era hoje! Eu iria pegar as pilhas, a câmera, a bicicleta e finalmente realizar um projeto que estava na minha cabeça já há alguns dias. Um projeto não muito ousado nem inovador. Só queria filmar em ângulos diferentes o meu trajeto de bicicleta de cada dia e combinar a isso – no humilde Windows Movie Maker – a música do Queen, Bicycle Race (“I want to ride my bicycle, I want to ride my bike...”). Um mero curtinha.

Juro, as quatro pilhas estavam carregadas e a memória da câmera previamente descarregada, era só filmar. Torcia para que houvesse elementos e situações exótico-variadas no calçadão da praia hoje... E havia! Briga, mendigo dormindo, rede de pesca sendo puxada da água no ato, crianças, idosos, cadeira de rodas, gari e até um quase atropelamento de pedestre no início, quando ainda estava me adaptando a segurar o guidão com uma mão e a câmera com a outra.

Pronto, o vídeo estava feito, a realidade do meu trajeto era surreal por si só, se transmutava sozinha a cada pedalada, agora era só pressionar o botãozinho de novo para concluir a filmagem. Eu faria isso assim que chegasse à curvinha final, estava logo ali, eu já ia apertar...

...

A tela ficou preta. “Substitua as pilhas”. A mensagem mais odiosa da Canon A430. “Substitua as pilhas”... Eu substituí, e confirmei o que já sabia por reincidência. Tudo o que eu tinha gravado na verdade não tinha sido gravado. O ato de gravar só é consumado com o aperto final do botãozinho... MAS A CANON A430 CONSOME A PILHA ANTES DEU APERTAR O BENDITO BOTÃO, SEMPRE!!

Procurei não me desesperar, e sim tentar repetir a proeza com o par de pilhas que me restava. Já estava morta, as pedaladas mais lentas, e eis que a tela ficou preta mais cedo do que antes. Nada adiantava, nem tentar todas as combinações possíveis entre as quatro pilhas. Eu era a imagem e a face da decepção. O ombro doía, a cabeça ficou pesada no pescoço. Raiva, ódio, e enfim, substituindo os dois muito rapidamente, ela, a resignada decepção.

Lembrei da fala que tinha lido essa semana, do diretor de cinema Jean-Luc Godard, ao responder até onde vai seu amor pela arte: “Cheguei a roubar minha família para dar dinheiro a Jacques Rivette para seu primeiro filme. Roubei para ver cinema e para fazer filmes.”

A farmácia apareceu do outro lado da rua. Quantas pilhas aquelas prateleiras ocultavam... Eu não tinha um centavo, nem tampouco era Jean-Luc Godard.

Vai-se indo a era da película e vem arrombando portas a era digital. Acho que todo cineasta passa um dia pela sua própria crise da pilha descarregada, pra ter história pra contar. As coisas costumam dar errado antes de dar certo. Amanhã eu volto e tento outra vez com oito pilhas. Quero o meu curtinha.