terça-feira, 24 de abril de 2007

O invisível mora ao lado


Ônibus é um lugar propício para acontecerem coisas – digo coisas de todos os tipos. Acho que tenho uma dúzia de episódios de ônibus para contar, desde a vez em que fui arrastada por alguns metros presa na porta traseira até a vez em que um maluco deixou uma “lembrancinha” na minha mochila quando voltava da escola (não se preocupem, eu só vou contar um episódio!). Hoje no ônibus aconteceu uma coisa breve, muito breve, não trágica no mesmo sentido das anteriores, mas que me fez parar pra pensar.

Estava eu sentada - do lado abençoado que pega o solzinho das 13 horas - quando ele chegou. Na verdade quem chegou primeiro, abrindo caminho às pressas pela porta de trás, foi sua bagagem, daquelas típicas de quem ganha a vida no mercado informal. O moço simpático, com um chapeuzinho simpático de crochê, sentou ao meu lado num lugar mais ensolarado ainda, se é que isso é possível.
O assunto começou quando passávamos na frente da nova Igreja Universal. Por coincidência naquele momento um homem tentava (em vão?) pregar a palavra de Deus no ônibus quente.
– Olha o tamanho desse negócio. – disse pra mim o moço de chapeuzinho de crochê.
– Pois é... – eu respondi.
– Parece aqueles templos de antigamente, não?
– O templo de Júlio César... – risadinha chocha.
– Rola muito dinheiro nisso aí.
– Muito.
O moço tinha as mãos machucadas, surradas mesmo pela vida. O papo continuou. Descobri que ele tinha tentado vender suas pulseiras e artesanatos de coquinho num lugar grande (uma associação de artesãos, pelo que pude entender) mas que não tinha conseguido nada.
– Tá vendo a minha mão? As pessoas pensam que é tudo sujeira, mas isso aqui não sai. Eu quebro coquinho o dia todo, isso aqui feio assim é trabalho.
– Puxa vida.
– O mais triste é que a gente foi pra esse lugar maior e não vendeu nada. Faço isso o dia todo e o dinheiro não vem. Em pensar que tem um monte de bandido aí, roubando e ficando cheio da grana...
– Pior que é... E o povo honesto só levando a pior.
– O que é que eu posso fazer, meu Deus? Tenho o certificado de que já fui pedreiro, já fui motorista, já fui isso e aquilo. De que me adianta?? O que é que eu vou fazer da vida? Pros bandidos é tudo mais rápido. Rouba uma TV ali, vende, já recebe...
(Opa. Comecei a pensar que ele estava considerando a idéia)
– Mas Deus tá vendo quem é trabalhador de verdade. – eu rebati. – Uma hora vem a recompensa, não se preocupa.
– É...
Aí ele contou que estava voltando pro lugar de onde veio. Que lá era menorzinho mas que ele vendia alguma coisa. Que as crianças passavam por ele depois da escola, que o seu cachorro podia ir lá fazer uma visita e ir embora pra casa na hora que quisesse, que o self-service era mais barato e que não ia precisar pegar ônibus.
– Ô, que beleza, o senhor vai economizar!
– Vou. Tô indo embora daqui, é o melhor que eu faço.
Quando cheguei ao meu ponto, me despedi e desejei boa sorte.
Fiquei sensibilizada com o coitado do vendedor. Eu uso um anel de coquinho e nunca parei pra pensar no fato de que alguém em algum lugar deve ter esfolado os dedos pra fazer ele. Eu praticamente não falei nada para aquele homem no ônibus, mas ele tinha uma história pra contar. Quantas pessoas passaram por ele todos os dias e o ignoraram por completo? Quantas vezes eu passei por um cara sentado na frente do colégio – e por tantos outros – vendendo brincos e achei que fosse só um vagabundo a mais? Quantas vezes eu não achei nada? Não me lembro do rosto dele. Não sei se tinha família. Não sei se tinha o que comer no jantar. Não sei o que ele queria ser da vida. Não sei.
Às vezes esse não saber dói aqui na consciência. Cansei de fingir que não vejo as pessoas. Cansei de tratá-las como se elas não existissem, de tratá-las como se não estivessem lá – de não tratar.

Se você algum dia topar com o moço simpático de chapeuzinho de crochê tentando lhe vender uns artesanatos, me avisa! Me diz se ele tá com saúde, me diz qual é a cor do cachorro dele, me diz onde ele tá trabalhando, ok?

domingo, 22 de abril de 2007

Testando, 1, 2, 3...

Sim, eu criei um blog!
Aquela vontade louca de escrever voltou, e acho que talvez seja bom a gente começar por algum lugar...

Abrace o mundo (comecemos pelo título)!...
Pode ser que eu esteja imaginando coisas, mas acho que essas palavras expressam um bocado de significados lindos. Os créditos não são meus, e sim da banda capixaba Solana (espero não ser processada por desrespeito aos direitos autorais, rs). O som desses caras é incrível demais, vale a pena conhecer!...
E pra não correr o risco de tirar os créditos de ninguém mesmo, também não posso esquecer de dizer que foi o Davi que me apresentou à banda. Obrigada!...

Aí vai a letra da música:


Solana - Bom Dia
(Juliano Gauche)

Acordou bem cedo e renasceu com o caos:
– Bom dia amor, abrace o mundo
sempre além e nunca mais tão só

Na boca um beijo, hortelã
Uma rosa pro café e um dia inteiro "nós":
– Bom dia amor, abrace o mundo
sempre além e nunca mais tão só

Então me queira e eu volto a ser
um lugar melhor.



Acho que devemos abraçar o mundo todos os dias, cara. Cuidar dele, cuidar de todos os seres que vivem nele, abraçar mesmo! Vivemos aqui. E como dizia Gandhi, tudo o que vive é o nosso próximo. Não sei você, mas eu gosto de pensar assim. Nunca estaremos mais tão só.