
Este é um post diferente dos outros. Bom, nem tanto. Diferente por estar sendo escrito em circunstâncias totalmente novas de todas as circunstâncias de antes. Estou no ônibus a caminho de casa. Não neste exato momento em que você lê – vou ter que passar isso a limpo no computador mais tarde. Mas para esse meu eu nesse exato momento estou aqui. Como é curiosa a dimensão tempo!... Não é um “a caminho de casa” qualquer, é uma bela de uma viagem. Talvez eu esteja desperdiçando precioso tempo de cochilos e paisagens ao me ocupar dessa folha de papel. Talvez eu fique enjoada e vomite logo mais à frente. Mamãe sempre falou para nunca ler em viagens, mas ela não está aqui. Comecei a escrever justamente por causa da paisagem e, cá entre nós, porque me lembrei que hoje é terça-feira. Ai Jesus, sempre tenho medo das idéias se esgotarem e eu não ter nada pra falar na semana seguinte! Medo besta. Espero que não aconteça, afinal, só o fato de vivermos já nos dá algumas histórias pra contar – não que elas sejam necessariamente interessantes.
Tá. O que me chamou a atenção do lado de fora da janela foi a cor dos montes. “Montes”, soa poético. Falo daquelas colinas que você vê pela estrada com boizinhos pastando e tal. O fato onde quero chegar é que os montinhos verdes estão marrons. Marrons. Cor de palha seca, de grama tostada no sol. Em toda parte o mato parece crocante. Não estou imaginando, e nem acho que esteja dramatizando mais do que devia. Sinto que tem algo errado lá fora, algo muito errado. A gente está no inverno, né? Alguém sabe me dizer se isso significa alguma coisa? Era pra ser assim mesmo? No inverno talvez a natureza deva estar se recuperando do outono... Ou isso é na primavera? Acabo de passar por um morro digno do sertão nordestino, com direito a árvore retorcida e tudo (pelo menos essa é a imagem do sertão cravada na nossa cabeça).
Sabe qual o nosso problema? A gente nunca acha que vai chegar até nós. A sede, a seca do Nordeste, a fome da África, os 50 graus escaldantes que fizeram na Índia levando dessa pra melhor uma penca de gente. Achamos que nunca vai acontecer comigo ou com você ou com o vizinho de um de nós dois. Sim, aqui demora um pouco mais para sentirmos as conseqüências na pele. Um pouco mais. Enquanto só vemos pela TV não tem tanta importância, não faz lá muita diferença. Aí de repente um morro que era verde fica marrom debaixo do nosso nariz. Depois vários deles. Não nos preocupamos muito nem desperdiçamos atenção com coisa tão trivial. Pelo menos não até que um boi nosso morra.
Se quer saber tenho pena das crianças. Elas não têm culpa, e vai sobrar pra elas. “Vocês são o amanhã”, “o futuro está em suas mãos”... Quanta responsabilidade. Os guris acordam todos os dias escutando que o mundo vai acabar. Depois vão para a escola e lá estão os professores pra dizer que temos que fazer isso e aquilo senão, adivinha? O mundo vai acabar.
Mas é injusto dizer que é só isso que estou vendo na viagem. Não. Isso é o que mais me marca, isso é o que me dói. Estranho uma viagem doer. A moça da poltrona ao lado estava em um sono tão tranqüilo momentos atrás... Agora apenas escuta música enquanto olha pela janela. Nunca saberei o que está pensando. Eu aqui fazendo teorias sobre grama, crianças e fim do mundo. Uma coisa incrível que vi também momentos atrás foi um rio. Um rio lindo, longo, que não acabava! Um rio que nunca havia visto, mesmo tendo feito esse mesmo percurso milhares e milhares de vezes! Talvez porque ele sempre esteve além do mato e nunca deu para enxergar da altura do carro. Mas talvez eu jamais o tenha percebido na minha distração e falta de interesse. Deixamos várias coisas incríveis passarem despercebidas o tempo todo. Agora mesmo a moça da poltrona ao lado me deu biscoito passatempo e ensaiou uma conversa, até descobri o que ela pensava: vontade de chegar logo!... E eu aqui tão entretida em escrever que ela achou melhor voltar a dormir para não me atrapalhar.
Conclusão: Devia dar mais ouvidos à minha mãe. Êita vontade de vomitar...
post-scriptum: Antes do fim da viagem eu e a moça nos tornamos amigas de infância.